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CADA ARTE É UM FILHO

  • Foto do escritor: juliaserrate
    juliaserrate
  • 7 de mar. de 2020
  • 4 min de leitura

Meu sobrenome Serrate veio do meu avô boliviano, Alejandro Serrate, um vovozinho muito amoroso que fazia minhas visitas à Barra do Jucu parecerem uma cena de novela mexicana, com seu sotaque castelhano e uma forma intensa e emotiva de falar qualquer coisa como se estivesse declamando uma poesia. Meu avô faleceu em abril de 2016. Curiosamente, o mesmo mês e ano que fiz o meu primeiro trabalho com arte, que só foi levar o nome de Arte Serrate uns três meses depois. Pouco antes, quando ele já estava bem acamado, em uma visita ele me fez um pedido (imagina um sotaque castelhano pra ficar mais dramático): “Querida Julinha, levem adiante o sobrenome Serrate. Coloquem esse nome em seus filhos para que assim a família Serrate se perpetue”.

Ora, eu não tenho filhos e apesar de amar muito a família, nunca tive esse apego a perpetuar sobrenome, fazer descendentes. Mas ainda assim, esse pedido mexeu comigo. E levou algum tempo para que eu deixasse de olhar esse pedido de forma literal e o entendesse, atendesse e vivesse de forma mais profunda, que é o que eu vou compartilhar com vocês nesse texto, junto com outras reflexões que dizem respeito ao dia da mulher.

Meu trabalho consiste muito basicamente em receber uma parede, uma proposta, uma ideia e a partir disso, desenvolver uma arte para esse espaço. Eu disse “muito basicamente” porque especialmente dentro da palavra “desenvolver” existe uma infinidade de coisas que vão desde o mais elementar como lápis e papel e quase sempre vão fundo lá na alma, passando por todas as experiências, talento nato, vivências, aprendizados, gostos e técnicas, para chegar ao resultado final, o que eu entrego, o produto do meu trabalho. Desenvolver uma arte envolve entender do cliente, do espaço que a arte vai ocupar, das pessoas que vão frequentar aquele local, da mensagem que será transmitida. Depois de entender isso tudo, acontece uma busca por ideias, dentro e fora de mim. Dentro, através de ideias que já estão ali disponíveis na minha cabeça depois desses anos de aprendizado. E fora, através da busca por referências e coisas que me inspiram de forma particular. A soma disso faz uma ideia germinar, começar a aparecer no papel, primeiro devagar, através de esboços informes, e depois crescendo, ganhando corpo e forma, mas ainda assim, um esboço. Uma próxima etapa consiste em dar a forma final. Aquele projeto que é pequeno no papel é grande em potencial, e começa a nascer na parede, agora crescido, belo, com cores ou preto e branco, e o mais importante, levando à todos que o verem uma mensagem de alegria, de diversão, de amor, de reflexão, de identidade, de motivação, de beleza, ou vários desses juntos. A execução final do trabalho em uma parede envolve sair de casa, ir para o local do cliente e várias vezes, viver um dia inteiro ou mais da realidade de outras pessoas, outras famílias, outras empresas e outros sonhos. Meu trabalho me permite conhecer muita gente, e muita gente maravilhosa com histórias incríveis, e não é incomum que eu saia de um trabalho levando um carinho enorme pela pessoa que me contratou. Finalmente, eu saio. E a parte de sair também é relevante, porque enquanto estou trabalhando em uma arte, especialmente as maiores, eu me canso. Doem as costas, o ombro, os pés, as mãos e em algum momento, tudo que eu quero é terminar, colocar os pés pra cima e assistir Netflix no meu sofá. Mas ainda assim, quando eu termino, eu fico com dó de ir embora, porque eu me apeguei. Eu sempre me apego aos trabalhos que eu faço, e quando eu finalizo e saio, é sempre com uma dorzinha de quem deixou um pedaço do coração, mas feliz ao ver o resultado da minha dedicação e com o desejo que de aquela arte cumpra com o papel para o qual ela foi criada, mesmo que esse papel seja longe de mim.

Talvez agora eu possa dizer de forma clara que minhas artes são meus filhos. Amo todas e sou apegada a todas porque eu entreguei o que existe de melhor em mim para fazer uma ideia ganhar corpo, nascer e crescer. E assim, não puder deixar de pensar em como é feminino o meu papel nessa história toda, e a minha relação com meus clientes quase como um casamento (de forma figurada, pelamor!), onde o cliente traz uma proposta, e em mim, após acolhida, essa proposta encontra um solo fértil, se transforma em uma ideia, ganha forma, cresce, nasce e faz diferença no local onde ela finalmente nasceu.

Essa percepção me deixou bem feliz comigo mesma, talvez ainda mais por eu ser mulher e pela satisfação que eu tenho em me dedicar para que algo bom se desenvolva e cresça. É claro que uma arte é muito menos temperamental e mais fácil de criar e moldar do que um filho. E é por isso que eu já tenho muitas artes e nenhum filho. Mas ainda assim, não posso deixar de pensar que elas são um legado, algo que veio de dentro pra fora e que além de levarem luz onde quer que se encontrem, carregam também meu coração e meu nome.

E volto a me lembrar das palavras do meu avozinho, e recebo essas palavras com muito amor. Essas palavras foram ouvidas por uma mulher que está entendendo o papel que Deus lhe deu no mundo e está se esforçando para que o nome da família Serrate se perpetue de forma positiva.

E que hoje, dia que foi definido como o dia da mulher, todos nós, independente do gênero, possamos ser um pouco mais femininos: solos férteis para que coisas boas germinem, cresçam e se desenvolvam através das nossas vidas, e dessa forma tornarmos o mundo um lugar um pouco melhor.

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Pura e simplesmente um compartilhar de experiências, que vez ou outra, podem ser úteis! XD

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